Livro 2 - Página 9

Eu congelei e realmente não sei se foi por causa da emoção ou do medo de ver em um único lugar tantas pessoas conhecidas. Me perguntei que tipo de teste viria agora, pois algumas das pessoas que ali estavam nem meus amigos eram, pelo contrário existiam alguns que antes haviam se declarado meus inimigos. O rosto de Caio era indecifrável, mas algo me dizia que ele estava adorando aquela situação

− Bem Ortêncio, passe o dia no bosque em contato com a natureza e depois venha ter comigo outra conversa para me contar como foi seu dia.

E saiu sem ao menos me deixar fazer qualquer pergunta, as vezes acho que os médicos dos loucos são mais loucos que os pacientes. O local era enorme, maior que um ou dois campos de futebol, existia um pequeno lago no meio e era cercado por árvores frutíferas, flores e plantas estavam por todo o lado e, como em uma praça, havia bancos brancos espalhados por todos os lados. Pessoas de branco conversavam, liam, cuidavam das plantas e sorriam, mas alguns estavam sentados isolados. A cor predominante era o branco, porém os filhos de Iansã, como de costume, trajavam o vermelho e o amarelo, mas também haviam aqueles que estavam vestidos com roupas de terreiro coloridas. Passou por mim um vaqueiro, me cumprimentou dizendo “Ê boi! ” e saiu galopando em um cavalo imaginário. Logo nos primeiros passos fui reconhecido por uma moça que me veio tomar a benção:

− Padrinho, o senhor aqui? Eu sabia que não iria me abandonar e viria me buscar! 

Eu apenas sorri, pois não queria estar ali e nem muito menos estava afim de conversa, após mais alguns passos outra pessoa veio até mim e disse:

− Você aqui!? Vai me recusar ajuda novamente Ortêncio?

Eu apenas acenei, continuei andando até encontrar Josias sentado um pouco afastado em um banco. Uma enfermeira veio até mim e disse:

− Mensageiro, não gostaria de nos ajudar com nossas plantas? 

− Por enquanto não menina, mas garanto que logo ajudarei vocês. 

Ela olhou na direção de Josias e sorriu dizendo:

− Acho eu, amigo Ortêncio, que o momento não é propício para esta conversa e que mexer com a terra seria mais adequado agora do que mexer com certas feridas... − Ela me olhava com um olhar firme e questionador − Me desculpe, meu nome é Irene, sou da quinta legião de Iansã.

− É um prazer Irene. 

E assim ela me entregou uma colher de jardinagem e me levou até um canteiro aonde mudas de lírios esperavam para ser plantadas, nos abaixamos e começamos o trabalho, Irene começou a falar:

− Você não se lembra né? 

Meu coração por algum motivo disparou.

− Não, só me lembro da última vida e agora estou lembrando aos poucos de algumas coisas antes dessa última e me pergunto por que isso e por que estou sendo tratado como uma criança?

− Isso porque você é apressado Ortencio e plantou tomates esperando nascer maçãs. Eu já estive ao seu lado meu amigo... Está tão preocupado com os grandes feitos que pode realizar como um mensageiro que está se esquecendo dos feitos que deveria realizar como você. As suas vidas ou o que foi antes de aqui chegar não são importantes se você vai usá-las para ser exemplo para o outro e não para si. A maior lição aqui deve ser aprendida por nós, amigo, e não apenas pelo povo da Terra ou para os malignos e os sem o amor do Pai Maior no coração. Você já ouviu muito isso aqui e continuará ouvindo: vocês se perdem tentando achar o outro e não sabem nem quem são.

Eu mexia a terra e a regava com minhas lágrimas, pois uma menina estava abrindo meu coração. Ela falava realmente o que eu estava sentindo.

− Ortêncio olha a oportunidade que o Pai está lhe dando. Quantos aqui você conhece e seu pensamento é apenas sair daqui e continuar o seu grande trabalho? O que me parece é que você apenas ficou mais apegado ao passado, aos “seus” como você chama e não aprendeu nada este tempo todo. Resolva suas pendencias aqui com estes espíritos que tanto esperaram a sua volta, alguns deles, como Josias, estão aqui há séculos e o tempo dele está acabando. Você deve isso a você, porque um dia estará aqui tanto tempo quanto ele se não acordar para a lição que o Pai Maior está tentando lhe ensinar. 

− E qual é esta lição minha amiga Irene? 

Ela colocou a mão em meu ombro e as mãos antes lisas e brancas da menina de no máximo 30 anos haviam ficado negras, a voz suave e jovial ganhou uma rouquidão suave e, ao levantar o olhar, lá estava uma velha amiga que ao meu lado caminhou e anos antes do meu retorno veio preparar meu caminho. Com o corpo tremendo a abracei e ela cantou:

“Ogum e seu cavalo correm, e a sua espada reluz Ogum, Ogum Megê sua bandeira cobre os filhos de Jesus”.

Quando me acalmei uma luz azul e vermelha envolvia ela (para preservar sua identidade continuaremos chamando-a de Irene). Suas vestes haviam mudado e ela usava uma armadura prata, sua capa azul tremulava com o vento (como uma bandeira em um mastro):

− Filha minha, que Oxalá lhe proteja!

− Padrinho estamos aqui para auxiliar quem na Terra tanto fez por nós e que agora precisam de nossa ajuda, não somos melhores que ninguém, apenas chegamos antes e, como você, estamos tratando nossos traumas. Mas para isso, meu padrinho, é preciso aceitar as nossas limitações, este é um passo importante. E principalmente deixarmos o passado no passado para que possamos andar para frente.

Eu olhava Irene e não acreditava, pois ela se foi muito fragilizada. Apesar do seu amor pelo sagrado, a doença do corpo havia fragilizado sua fé.

− Sim padrinho, muito tive que aprender aqui e ainda estou aprendendo. Sou da segunda legião de Ogum e ainda não tive a oportunidade, como você teve, de ir a Terra desde que aqui cheguei. Mas aceito minhas limitações e estou tentando trabalhar para me melhorar e logo sair em missão com minha legião.

Eu me senti envergonhado já que no lugar de Irene eu já teria me revoltado, ela já havia desencarnado a quase 30 anos e ainda não tinha visto sua família... e aí minha ficha caiu, minha cabeça começou a doer, o dia claro ficou escuro e eu desmaiei. Acordei apenas três dias depois, novamente na máquina dos filhos de Iemanjá...

Comentários

  1. Como sempre impossível não se emocionar a cada página desta linda história, gratidão por compartilhar conosco tanto aprendizado.

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    1. Olá Eva, obrigada por nos acompanhar e pelas vibrações de amor! Em breve teremos novas páginas publicadas!

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