Livro 2 - Página 6

Eu acordara atordoado com uma sensação de culpa e saudade, por minutos não senti o meu corpo. A máquina fora desligada, mas eu permanecia na maca, tanto pelo desgaste do meu períspirito como por vergonha de ainda estar em prantos. Os enfermeiros desligavam os eletrodos com muito carinho, porém sem se incomodarem com o meu pranto. Maria segurava minha mão e Mariana me sorria o sorriso dos que amam e que acolhem as dores de seres tão imperfeitos quanto eu. Ela foi a primeira a falar:

– Ortêncio, você está de volta, meu amigo, como se sente? 

Demorei alguns segundos para compreender a pergunta e com a voz embargada respondi: 

– Ainda não sei Mariana, meu corpo está cansado e minha mente parece estar funcionando muito devagar. 

– Eu lhe avisei, amigo, que não seria uma viagem fácil, muitos demoram semanas para ir até aonde você foi e, olha que esse só foi o primeiro passo, precisamos de muito mais tempo para abrir as portas que seu subconsciente fechou devido aos traumas do corpo e do espírito. 

Eu ia começar a falar da experiência que vivera enquanto estava na máquina, mas Mariana me interrompeu: 

– Não há esta necessidade, amigo, por dois motivos: o primeiro deles é que você acaba de reviver estas lembranças e ainda não se atentou para fatos e detalhes que te ajudarão a compreender o real motivo dessa ser sua primeira lembrança, o segundo é que nós acompanhamos tudo pelos monitores e sabemos aonde sua mente te levou. Agora, recomendo que você descanse, pois, antes de voltarmos para as máquinas, iremos ter uma nova experiência com a Legião de Iansã.

Nesse momento, meu coração mais uma vez disparara e confesso que, se ainda tivesse um corpo de carne, iria ter um infarto. Passei algumas horas descansando em uma enfermaria, até que Henrique, Maria, João Guiné e o índio Pena Branca vieram me buscar. 

– Olá Manoel, meu querido, Mariana já te liberou e recomendou que você não se emocione muito e nem force seus pensamentos – disse Maria. 

– O fio tem que saber de uma coisa – agora começou a falar João – um gatilho foi disparado em seu subconsciente e você pode vir a ter lembranças sem a ajuda dos aparelhos. Então, fio, se necessário for, não se acanhe em pedir uma pausa para se recolher em si, para organizar as ideias e, principalmente, fio, para respirar com calma, para organizar as ideias na caixola. Iremos visitar pessoas que acabaram querendo pular etapas, não respeitaram o tempo e, quanto mais corriam, mais longe ficavam de si próprias e, por isso, foram entregues à Senhora do tempo e da justiça.

O sol brilhava em Aruanda quando saímos da Legião de Iemanjá. Caminhamos por pouco tempo ainda pela margem do grande lago e paramos em frente ao último prédio da direita para esquerda. Como sempre um prédio que, como qualquer outro da cidade, impressionava pela sua singela beleza, tendo uma enorme porta de ferro, ostentando um brasão formado por dois raios cruzados e uma espada, o que dava um ar medieval àquele local. Henrique tocou no centro do brasão e disse: 

– Salve Senhora do tempo, Dona das tempestades, Rainha da justiça! Eu, comandante Henrique da quarta Legião de Ogum, peço sua permissão para em seu templo e no seu tempo entrar: EPARREI IANSÃ! 

A porta duas folhas se abriu e, no interior, uma linda mulher negra de olhos escuros e cabelos da cor do luar nos esperava. Sua fisionomia era séria, seu corpo era coberto por uma bata vermelha e dourada e em seu pescoço trazia um colar contendo o mesmo brasão da porta. Em sua cintura havia um cinto de pedras vermelhas.

– Sejam bem-vindos, irmãos, que o tempo seja justo com vocês. Sua voz era aveludada e firme. – Nós estávamos a sua espera, Mensageiro.

Eu não pude evitar meu ímpeto e, quebrando todo aquele ar de formalidade, fui abraçar aquele espírito cheio de luz. Ela me afagou em seus braços e abriu um sorriso que aqui irei definir como misterioso por não conhecer palavras para definir o gesto daquela mulher.

– General, Maria, Caboclo, e, Pai Velho, sejam bem-vindos. Há quanto tempo não recebemos vocês em nossa casa! Estávamos com saudades. – Disse a mulher.

Foi João quem respondeu:

– Nós ficamos honrados em sermos recebidos por você, Leda, chefe da Sétima Legião de Iansã, Eparrei!

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