Livro 2 - Página 8

Muito se engana aquele que acha que por estar no plano espiritual está livre dos sentimentos que aqui achamos ser de nossa mente apenas, mas que estão enraizados no espírito e que não são diferentes do que sentimos na carne. A diferença é que aqui no plano espiritual sentimos tudo na raiz, o espirito fala mais alto, não temos a carne para nos atrapalhar ou influenciar. E foi assim que eu descobri que, apesar de passar um tempo trabalhando com os mensageiros e sendo um deles, eu ainda trazia em mim o orgulho e a arrogância de sempre. E foi assim que entrei naquele centro de tratamento da Senhora do Tempo. Primeiro eu me sentia traído pelos meus companheiros: eu estava em uma clínica de repouso com pessoas que diziam estar lá por minha causa (pelo menos uma delas dizia) e eu ficava me perguntando o que eu fizera para receber um tratamento desses, perdia a oportunidade bendita de ser tratado na minha dificuldade e de aprender com a lição que o Mestre Maior queria me ensinar.

Meu quarto era de uma beleza esplêndida: as paredes eram forradas por uma tinta vermelha com bordados em dourado, uma cama confortável e uma linda vista para a cidade de Aruanda. De lá eu conseguia avistar o bairro de Ogum e o campo do esclarecimento, passei o resto daquele dia remoendo minhas mágoas e pensando em coisas que nada me ajudariam nessa jornada, até que alguém bateu em minha porta e entrou no quarto. Era um rapaz alto, de pele clara, os cabelos negros eram longos, e aparentava ter no máximo 30 anos, ele sorriu e disse:

− Olá senhor Ortêncio, meu nome é Caio e sou um dos responsáveis pelo nosso centro de recuperação, como foram suas primeiras horas aqui? 

− Por enquanto tranquilo, rapaz. E espero que sejam rápidas porque tenho muito trabalho. − Ele sorriu e continuou: 

− Sim amigo, tem sim, mas precisamos te desprender do passado para que você viva o presente e busque um futuro melhor não é mesmo? 

− O que você faz aqui Caio, nesse local? 

− Eu sou uma espécie de psicólogo, Ortêncio. Desenvolvo terapias e ajudo pessoas como você a enxergar suas limitações e trabalhar nelas de forma saudável.

− Mas eu estou saudável, meu amigo. Não estou entendendo o que vocês querem dizer com isso.

− Sim caro amigo, então me conte do seu encontro com Malaquias? 

− Não foi agradável, ele ainda me odeia muito e tentou me levar como prisioneiro. − O rapaz sorriu com delicadeza e disse:

− Não este, Ortêncio. Estou falando do encontro que você teve há alguns dias, induzido pelos Filhos das Águas. 

E nesse momento meu coração gelou (se é que espírito tem coração, mas algo dentro de mim gelou), meu estômago embrulhou, as mãos soaram frias e as palavras não saiam.

− Venha Ortêncio, preciso que você converse um pouco com Josias. 

Ele virou as costas e, sem dizer uma palavra, eu o segui. Andamos pelo corredor dos quartos em silêncio, eu de cabeça baixa ia pensando como não conseguia descrever meu rápido encontro com Malaquias e por que aquilo me fazia tão mal, e principalmente porque eles insistiam tanto nisso? Bastava não tocar mais nesse assunto, pensava eu. E Caio sentindo minha inquietação e ouvindo meus pensamentos começou uma explicação que abririam meus olhos e eu nunca mais esqueceria das palavras daquele jovem médico:

− Haaaaaaa Ortêncio, a consciência humana é um mundo particular que cada um tem, um mundo que apenas aquele que vive nela conhece e assim mesmo conhece superficialmente. Os grandes espíritos, e aqui usarei como exemplo Jesus, nossa maior referência, demorou alguns séculos para desbravar a própria consciência e se conhecer. Espíritos superiores a nós e que vivem nessa cidade, vem aqui − como você − se estudar, buscar respostas dentro de si, se recolher em seu mundo para conseguirem lidar com os desafios que a consciência trás para cada um de nós. Você pode estar se perguntando agora o porquê estamos insistindo em sua história com Malaquias e por que queremos ir tão profundo nisso. E eu respondo, amigo, que estamos nadando em águas rasas para que nos aprofundemos mais nesse pequeno mundo chamado consciência. 
“Temos uma longa caminhada, uma delas é que o espírito volte para casa e não precise das máquinas ou das técnicas que aqui avançam em passos largos para se lembrar do passado. Depois do Cristo sabe quantos conseguiram isso? Pouquíssimos entre os bilhões de espíritos que habitaram a Terra e que ainda vão habitar estão em sua maioria ainda atrasados e apegados a coisas tão fúteis que temos uma longa jornada pela frente, então senhor, não se sinta apenas doente ou menos que os outros, pois você sofre de um mal que todos nós sofremos e por isso precisamos tanto desses tratamentos. ”

− E que mal é este? 

− Falta de amor próprio e de auto perdão, amigo, e isto vem lhe obscurecendo o caminho. Você ainda não se perdoou pelo mal que causara e além disso criou responsabilidades que nem suas eram, um erro típico de nós seres humanos: nos acharmos mais importantes do que realmente somos.
“Aqui estamos para buscar o equilíbrio, nem mais nem menos. Se eliminarmos todas as cobras do mundo teríamos um desequilíbrio na natureza e aí teríamos uma quantidade absurda de roedores no mundo, então imagino que cobras são importantes, porém se tivermos cobras demais isso ameaçaria muitas outras espécies. Assim são os nossos sentimentos, eles devem viver em equilíbrio um com o outro para que nossa vida não se transforme em um ecossistema desorganizado. “

Eu começara a compreender o que Caio queria dizer, eu estava escondendo meus sentimentos com medo de enfrenta-los e estava ali para isso e principalmente aprender a viver com eles. Da mesma forma que as cobras não poderiam ser eliminadas da natureza, meus sentimentos não poderiam ser apenas eliminados de mim ou esquecidos no meu mundo particular. Eles teriam que ser enfrentados. E foi assim que subimos vários andares e chegamos em um lindo bosque, onde meus olhos se encheram de lágrimas com tamanha beleza e com a quantidade de conhecidos que ali foram me receber...

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