Livro 1 - Página 9

A notícia de que há tempo eu já havia deixado à carne me chocou, mas, apesar da saudade que sentia dos meus familiares e dos filhos do terreiro, me sentia tranquilo e perguntei: 

– Amigo, como estão os meus? 

– Ortêncio, quero que você entenda que seu desencarne foi tão difícil para eles quanto para você, porém tudo corre como o planejado, pois alguns já começam a se erguer, aprendendo com a lição. Você poderá acompanhar cada um, daqui algum tempo. Agora, peço que o amigo descanse. 

Passaram-se alguns dias sem que eu recebesse a visita de Ubirajara. As enfermeiras da Segunda Legião me tratavam com caldos e passes magnéticos. Elas também me falavam de como era linda a cidade que eu ainda não tinha tido a oportunidade de conhecer. Isaura era a que mais me visitava, uma linda moça de olhos verdes e pele clara como a neve. Dizia ela: 

– Amigo Ortêncio, é uma honra cuidar do amigo, pois, por muitas vezes, fui levada ao seu terreiro com o objetivo de acordar para a vida maior. Como você, me recusei a aceitar que tinha partido para cá, já que minha Mãe era também uma chefe de terreiro. Apesar de eu não ser ativa, pois achava que a religião tinha tirado minha mãe de mim, os amigos me socorreram em uma zona inferior e me trouxeram pra cá. O amigo com certeza não irá se lembrar, mas fui um espírito socorrido em um de seus sacudimentos e sou grata por agora poder lhe retribuir o favor. 

Fiquei emocionado por saber que de alguma forma havia ajudado este espírito tão prestativo e amoroso, os sacudimentos eram trabalhos realizados para afastar, de encarnados, espíritos que a eles se ligavam e, para tanto, contava com a ajuda de vários elementos. Quando me senti forte o suficiente, recebi a visita de um espírito alto, de cabelos preto com corte militar, de pele morena e com olhos castanhos. Ele também estava vestido de branco e, apesar de sua imponência, trazia seu sorriso no rosto como era habitual em todos os que ali estavam: 

– Louvado seja Deus, amigo Ortêncio! Meu nome é Henrique, sou da Quinta Legião de Ogum, e venho, com muito prazer, para levá-lo a sua primeira visita a nossa cidade. 

Eu não escondia minha alegria. Logo sai daquela cama e abracei ao jovem militar e me coloquei à disposição. Ele sorriu e me indicou a porta com a mão. Fui andando lentamente, até que coloquei os pés para fora daquele quarto e/ou oca. O sol aqueceu meu corpo e um leve cheiro de jasmim inundou o meu ser: eu estava no meio de um lindo bosque, onde pássaros cantavam e as árvores se agitavam suavemente como em um balé. Havia várias ocas como a minha por ali e pessoas de branco andavam de um lado para o outro, porém, a elas se misturavam outras com vestimentas de várias cores, formando um verdadeiro arco-íris. Surpreendeu-me também a quantidade de pessoas jovens circulando. Eu sequer me movia, a energia era tão boa que eu não queria me movimentar. Henrique falou: 

– Estamos no Centro de Recuperação Energética 3. O que você vê, amigo, é um hospital, por isso esta agitação toda, pois o que não falta aqui é trabalho. 

Ele começou a andar e aos poucos começamos a nos aproximar de um grande portão branco. Meu espanto só ia aumentando, pois, a cidade era muito maior do que eu pensava e nada ali era como eu imaginava. Ao passarmos pelo portão, a emoção tomou conta do meu ser e eu chorei como uma criança ao avistar ruas de paralelepípedos, largas e circundadas por graciosos canteiros de flores e por árvores que formavam um lindo jardim, seguindo um muro branco. Vários portões circulavam a cidade, atrás de cada portão havia outras ocas e também casas brancas. 

Na minha frente, em formato de U, erguiam-se sete grandes prédios com uma arquitetura moderna e eu não consegui dimensionar a altura dos mesmos. Na frente dos prédios, havia um lago enorme e nele se erguiam sete estátuas gigantescas, representando os sete orixás daquela cidade. Lembrou-me muito o monumento da minha própria cidade natal. Henrique riu e disse: 

– Não se engane meu amigo, o de lá é uma mera cópia deste daqui. Estes prédios são os Ministérios, onde tudo se resolve e onde estudamos as cidadelas. No entorno dos prédios, são muitas as funções destes estabelecimentos, mas as ocas são todas hospitais e as casas são como bairros onde moramos, pois até os espíritos precisam de casas. Chamamos o local com prédios de capital, pois temos sete hospitais e sete cidades. A cada uma se atribui funções diferentes e todos os que aqui estão trabalham após sua recuperação, pois aquele que acha que irá descansar após a morte está muito enganado. 

Enquanto ele falava, alguns veículos passavam por nós e também pessoas atarefadas. Nos jardins, se espalhavam centenas de outros grupos conversando, e ainda índios paramentados, Pretos Velhos, médicos e tantos outros. Alguns carregavam armas, mas também muitos livros circulavam em meio a tudo isso, que, embora eu visse como uma grande bagunça, ainda assim me parecia ser organizada. Paramos em frente a um portão azul, onde se encontrava uma placa com os dizeres: 

“Lar dos filhos de Iemanjá – Que as águas do mar limpem nossos corações. ”

Henrique olhou para mim como se decifrasse algo e disse: 

– Vamos amigo, alguém nos preparou um delicioso café da manhã. 

Entramos e caminhamos até uma casa com porta amarela, tendo em sua frente uma linda fonte e roseiras com rosas também amarelas. Henrique bateu e uma voz disse que podíamos entrar. Era uma casa simples, mas muito limpa e organizada. Sentada à mesa estava Maria, minha companheira na vida carnal, usando um lindo vestido amarelo e uma rosa branca nos cabelos, com seus olhos cheios de lágrimas, saudou-me: 

– Seja bem-vindo, Manoel.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livro 1 - Página 70

Livro 2 - Página 7

Livro 1 - Página 58