Livro 2 - Página 5

Eu ainda demorei um pouco para entender o que acontecia, não revivia o passado e nem voltara para ele, já que isso, mesmo no plano espiritual, não seria possível. Minha consciência fora despertada para que eu recordasse o que há muito havia vivido e para quê isso se dera era minha pergunta, mas a resposta viria de imediato: para que eu não apenas conhecesse minhas profundezas, mas, para que começasse o trabalho de me refazer e de corrigir meus erros. Aquela equipe de trabalhadores não estava ali apenas como meros cientistas ou médicos, eles não eram movidos por curiosidades ou apenas por prazer, mas sim pelo próprio amor do Cristo que nos dava a oportunidade de recomeçar. Logo depois dessa experiência, descobri que alguns espíritos por si só conseguem recobrar sua consciência já que isso também depende de sua capacidade e do quanto sua morte fora traumática ou não. Comigo, por todo o meu apego ao plano material e por todas as mazelas que eu trazia durante minhas encarnações, tal experiência teria que se dar através de uma máquina e desses abnegados filhos de Iemanjá que ali, representados pelo amor, me conduziam em saber por que realmente eu estava ali.

A caverna era algo assustador, pois a iluminação era feita por tochas. As paredes, como de costume nessas zonas umbralinas, eram enegrecidas pelas energias densas que escorriam por ela e, assim, o cheiro ali também não era dos melhores. Eu me encontrava do lado oposto de uma grande mesa toda de pedra onde havia pelo menos mais dez espíritos reunidos. Na outra extremidade, Malaquias era o mais exaltado: 

– Mestre, se não atacarmos agora, perdemos a oportunidade de destruir esses filhos do Cordeiro que estão fragilizados com a derrota que sofreram há pouco. Vamos marchar e fortalecer nossos exércitos até os portos daquela cidade e, uma vez lá, a tomaremos e faremos todos prisioneiros. Do mesmo modo que eles fazem com os nossos, pois também os aprisionam.

Outro ser animalizado, com um rosto deformado e que lembrava um lobo, com sua voz rouca e que quase não dava para ser ouvida, já ponderou: 

– Mestre, nós não podemos cometer esse erro. Seria o mesmo que nos entregarmos às mãos inimigas. É impossível irmos até os portões da cidade, eles são muito fortes lá, as defesas energéticas nos aprisionariam antes mesmo dos confrontos com os guardas.

Uma mulher de cabelos negros e olhos brilhantes como rubis, pois pareciam mais duas pedras preciosas, riu-se e disse: 

– Mestre, não sei como o senhor pode ter covardes em sua equipe. Arthur deixa-se levar pelo medo e tenta influenciá-lo a não agir de maneira correta. Eles estão abalados com a recusa do nosso povo em se juntar a eles e com a quantidade de guerreiros que chegam para fortalecer nossos exércitos e que se negam à política ditadora que eles impõem em nome do Cristo.

Outro ser negro e com voz de trovão deu também sua opinião: 

– Mestre, as cruzadas têm nos dado muitas vantagens, pois os que nelas derramam o sangue em nome do Senhor do madeiro não se agradam quando chegam aqui e não são recebidos com honras e glórias. Porém, ainda assim, também acho loucura atacar a cidade deles desse modo. Temos que continuar com os planos iniciais, induzindo aqueles que já estão em nosso controle a fazer o que queremos.

Malaquias nesse momento deu um soco na mesa, sua expressão era de raiva e aos gritos falou:

– Senhor este plano idiota não nos levara a lugar algum, pois os filhos do Cordeiro já descobriram uma maneira eficaz de derrubar nossas influencias e nossos cientistas não conseguiram até agora uma nova técnica para que nosso controle sobre os seres da carne não seja rompido tão facilmente e, nosso alvo, se voltado para esta maldita cidade, eliminaria a chance de eles terem progresso nos planos do Cordeiro.

– Esses planos são boatos, meu senhor. – Disse outro ser magro quase sem pele e que utilizava um capuz – Estão mais para lendas e não têm uma lógica. Apenas os ignorantes acreditam mesmo que algum dia a religião predominante na Terra deixará outras serem criadas e ganharem força. Os que se dizem eleitos matarão todos os que se atreverem em fazer isso, sem que nós precisemos nos esforçar muito. Os homens e sua ganância farão o trabalho por nós.

Até que o mestre falou e mais uma vez o choque que senti foi impressionante, pois até o momento não havia prestado atenção em mim mesmo, Ortêncio, o mago das trevas. Tratava-se de algo que se eu não tivesse vendo com os próprios olhos da alma não teria acreditado. Eu tinha então quase dois metros de altura, a pele toda queimada, coberto por uma capa e segurava uma espécie de cajado. Este ser que um dia eu fora dizia: 

– Senhores, estamos em um momento delicado, em que os filhos do Cordeiro ganham forças e enfraquecem os nossos objetivos. Os dragões me cobram por resultado e o que vejo é um bando de espíritos brigando entre si para ver quem tem mais razão. Precisamos de resultados, de mais prisioneiros e que nossas pesquisas avancem, pois estamos aqui para isso. Malaquias, não estamos aqui para o confronto direto com os filhos do Cordeiro e não o faremos, por isso irei lhe transferir para a unidade de confronto já que você insiste tanto.

Nesse momento, tudo se escureceu, as imagens foram sumindo, e, então, eu estava fora da caverna e me encontrava ao chão, caído em um campo de batalha, entre trevas e luz, sendo socorrido e esbravejando contra Deus. Ali também se encontrava contra mim, Malaquias, que prometia vingança por seu infortúnio de ser capturado pelos malditos filhos do Cordeiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livro 1 - Página 70

Livro 2 - Página 7

Livro 2 - Página 4