Livro 1 - Página 37

Após a saudação, todos se levantaram. José era um homem de uma energia que eu não saberia descrever apenas com palavras, apenas posso sintetizar o que senti como sendo uma energia de compaixão. Isso era o que realmente os olhos daquele guardião nos transmitiam. Eric foi quem o apresentou a nós. O guardião segurou minhas mãos e foi como se lesse meus pensamentos, pois me disse:

– Isso mesmo Ortêncio, sou José em homenagem ao grande espírito do mesmo nome e que muito fez naquelas terras pagãs. 

Eu sorri e lhe disse: 

– Como você mesmo tenta fazer aqui, meu irmão. Afinal, nesse lugar é onde deixamos para trás nossos preconceitos religiosos e, na maioria das vezes, até o que a religião tem de bom fica para trás na terra dos mortos. 

– Apenas tento retribuir tudo aquilo que o alto me ofereceu e me oferece – respondeu o guardião.

– Creio que o irmão sabe de nossa jornada – disse Eric – e que gostaríamos de sua permissão para relatar o que acontece aqui nesse local, amigo. 

– Admiro a coragem de vocês, amigos, pois sabemos que essa jornada, na opinião de alguns, é uma missão suicida. Porém, não posso negar um pedido tão magnífico e com um propósito tão elevado. 

– Nós agradecemos – disse Eric. 

– Como são coordenados os trabalhos por aqui? Espíritos de outras crenças não se assustam ao serem recebidos por vocês? – Perguntou Humberto. 

– Trabalhamos por setores e em cada setor há uma equipe especializada. Assim, um espírita desencarnado é recebido por espíritas, um evangélico pela equipe evangélica e, assim por diante. Porém, melhor do que apenas ouvir a teoria é ver, na prática, como isso tudo acontece. 

Assim sendo, todos nós saímos da tenda, acompanhando o Senhor Sete Catacumbas. 

– Senhor Exu... – disse eu. Ele riu e me respondeu: 

– Apenas José, Ortêncio. Aqui eu sou apenas o coordenador da terra das saudades. 

– Então, porque o outro nome? – Perguntou Humberto. 

– Um nome é só um nome, Humberto. Porém, como eu poderia me apresentar em uma Casa Espírita como Senhor Sete, ou em um terreiro, apenas como José. No mínimo, o médium seria questionado e, minha mensagem, que deveria ser o mais importante, seria colocada em segundo plano. O mais importante é a caridade e não quem a faz.

Enquanto ouvíamos José, caminhávamos e logo estávamos diante do espírito que nos acompanhara até ali, sentado no túmulo da mulher e perdido em suas reclamações. Ele não percebia nossa presença e muito menos a da equipe que estava a sua volta. Acompanhava tal equipe sua mulher, uma senhora de riso fácil, pele branca e cabelos grisalhos e que estava em pé ao seu lado, lhe ministrando passes. Ela nos cumprimentou e exclamou: 

– Oh, José! Meu irmão, meu coração não vai mais aguentar ver meu velho Mário, assim. Já são 5 anos nesse sofrimento! 

José abraçou a linda senhora e lhe pediu que se acalmasse: 

– Adélia, hoje nosso amigo foi ao centro espírita e, assim sendo, quem sabe ele não enxergue um de nós. Oremos ao pai amado. 

– Meu marido sempre foi um homem bom, sempre me acompanhou ao centro e ouvia as palestras, mas ele não esperava que eu partisse primeiro e, assim, esqueceu de tudo que aprendeu! 

– Acontece minha amiga e com maior frequência do que imaginamos. Até nos preparamos para a morte, mas não para a separação momentânea que ela causa. – Eu lhe disse, quase pegando no sono. 

Mário começou a fazer a oração da Ave Maria. Quando terminou, o homem quase morre novamente ao conseguir nos ver e, principalmente, por ver Adélia, que, então, correu para abraçá-lo.

– Só posso estar sonhando! – Disse ele. 

– Não, Mário. Eu estou aqui e esses são amigos queridos que vieram nos ajudar. 

– Ajudar no que, mulher! Eu estou bem, apesar de nossos filhos terem me colocado para fora de casa.

– O meu, véio! Nossos filhos cuidaram muito bem de você e nunca te abandonaram – disse-lhe ela. 

– E como você explica eu ter que vir dormir nesse lugar, mulher?

– Você desencarnou Mário e se você olhar com atenção, verá que este não é apenas o túmulo do meu corpo físico, pois o seu também está aí dentro.

Mário olhava com espanto, sem nada conseguir dizer.

– Mário, lembra de quando íamos à Casa Espírita, juntos? De tudo o que lá aprendemos, o que eles diziam? 

– Que a morte não existe, mulher... Mas, então, fui em busca de uma carta sua, de notícias e aquele povo não quis escrever!

– Não meu velho, eu é que não me encontrava em condições para isso. Fiquei muito abalada por ter que deixar você, meu véio!

– Eu morri Adélia!? E nenhum de nós foi para o céu? 

– Acalme-se, meu véio, nós vamos te levar daqui para um lugar melhor.

– Não! – Gritou Mário – Eu quero uma prova de que isso é verdade, pois mais parece um sonho.

Adélia olhava aflita para José, que nos orientou: 

– Pois, então, levem nosso irmão para ter sua prova. Para tanto, todos nós elevamos nossos pensamentos a pedido de José e, depois de uma prece, já estávamos diante de uma casa simples e para minha surpresa os tambores e os cânticos de Aruanda ecoavam de lá e enchiam a atmosfera de energia. Mário exclamou:

– O que é isso Adélia? Agora tu viraste macumbeira.

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